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A Imagem do Médico como Perito e seu Papel na Segurança do Trânsito

| Artigos

Paulo Ricardo dos Santos Meira

Doutor em Marketing pelo PPGA/UFRGS, Analista do Senado Federal, Professor do ILB e EDAN/UCSA e consultor da Fenasdetran

paulomeira@gmail.com

 

Veremos, neste sucinto artigo, componentes da imagem profissional de medicina de tráfego em sua relação com o Centro de Formação de Condutores em que atual, e seu papel como influenciador – em uma perspectiva de marketing social – para boas práticas no trânsito.

Tradicionalmente, no marketing de serviços, tem-se falado nos “7 Ps”, ou seja, ter-se um bom Produto, com um Preço adequado, fazendo dele uma boa Promoção, para uma determinada Praça, prestado com os corretos Processos, e sugestivas “Physical Evidences”, ou seja, evidências físicas, pela infraestrutura e outros aspectos, de que um determinado CFC é uma boa escolha para o candidato a habilitação. Mas qual é o sétimo “P”?

Pessoas. Pessoas fazem toda a diferença, no ramo de serviços. Já aí se evidencia o papel preponderante de uma boa atuação do médico de tráfego.

O marketing social é uma área relativamente recente, tendo seus primórdios nos anos 60, a partir de alguns ensaios nos anos 50, e da “propaganda” de 1917 que recrutava candidatos para o Exército norte-americano, em que o Tio Sam conclamava “I Want You”.

O bem-estar social é também uma responsabilidade dos profissionais de marketing, e a forma mais direta dessa contribuição do marketing pela sociedade se dá na área de marketing social. Conforme definido pelo Social Marketing Institute, é “o planejamento e implementação de programas desenhados para criar mudança social a partir de conceitos advindos do marketing comercial”. Ou seja, em vez de se vender sabonete, se está vendendo cidadania.

O marketing social pode ser mais bem entendido a partir de seu relacionamento com as 4 grandes abordagens para a mudança social:

  1. a) abordagem legal (por exemplo, leis de trânsito);
    b) tecnológica (tais como sinalizadores sonoros de pista);
    c) econômica (aplicação de multas de trânsito, ou desconto para bons motoristas), e a
    d) abordagem informacional (esclarecer-se às pessoas sobre os riscos de uma direção perigosa).

A perspectiva de marketing social para a mudança social planejada, solidificada no início da década de 70, tem sido utilizada com êxito em áreas tão diversas como:

  • promoção de práticas de consumo responsável e “de-marketing” de produtos com risco à saúde da população;
  • tratamento de população pobre infectada com HIV;
  • nutrição de famílias de baixa renda;
  • prevenção de câncer de boca e outras enfermidades;
  • políticas públicas de saúde e segurança no trânsito.

Duas tendências foram apontadas no marketing contemporâneo, a saber, o marketing social como propugnado por Kotler, Levy e Zaltman, entre outros, e questões societais, tais como a responsabilidade social na publicidade. Vejamos o Marketing Relacionado a Causas – MRC – ou Marketing para Causas Sociais – MCS. Trata-se de uma ferramenta estratégica na situação em que uma empresa liga seu nome, ou uma de suas marcas a uma entidade beneficente ou causa social, diretamente ou por meio de uma instituição que defenda essa causa, visando melhorar sua reputação, aumentar consciência de marca e fidelização, contribuir para as vendas e gerar cobertura de imprensa.

Outra definição da literatura define marketing de causas como as atividades que governos, organizações do serviço público, empresas e indivíduos realizam em um esforço para encorajar o consumidor-alvo a participar em programas socialmente reparadores.

Voltando-se ao marketing social, uma definição clássica o apresenta como “o uso dos princípios e técnicas de marketing para influenciar um público-alvo a voluntariamente aceitar, rejeitar, modificar ou abandonar um comportamento para o benefício de indivíduos, grupos ou da sociedade como um todo”.  E onde entram os médicos?

Os elementos que compõem o “mercado” de um produto do marketing social são, (1) ideia social – a causa em si, (2) agente social, cujo objetivo é implantar uma nova ideia no público-alvo, (3) público-alvo – adotantes atuais e potenciais do comportamento desejado e (4) intermediários – que fazem a interface – por exemplo, multiplicadores como especialistas em medicina de tráfego – entre o agente social e o público-alvo.

Por que é tão difícil praticar o marketing social? É que dizemos às pessoas para:

  • Desistir de um prazer (tomar banhos mais rápidos)
  • Ficar desconfortável (usar o cinto de segurança)
  • Desistir de manter a boa aparência (deixar seu gramado secar no verão)
  • Sair da sua rotina (pegar um ônibus para trabalhar)
  • Resistir à pressão dos pares (não começar a fumar)
  • Envergonhar-se (fazer o exame de câncer de próstata)
  • Gastar mais dinheiro (adquira um kit de primeiros socorros)
  • Escutar notícias ruins (faça um exame de HIV)
  • Estabelecer novos hábitos (caminhe até a padaria)
  • Desistir de velhos hábitos (não jogue as pilhas no lixo)
  • Mudar um estilo de vida confortável (usar menos o ar condicionado)
  • Rejeitar riscos (tome as chaves do carro de um amigo que você sabe que está bêbado)
  • Aprender uma nova habilidade (converta sobras de alimentos em fertilizantes)
  • Lembrar de algo (leve seus sacos plásticos ao supermercado e reutilize-os)

 

São diferentes públicos-alvo:

– externo (obviamente)

– interno (menos óbvio, o público interno é importante no êxito dos programas)
– multiplicadores (são muitas vezes a chave para influenciar positivamente o público externo; novamente, aqui a importância dos especialistas em medicina de tráfego)

Vejamos dois momentos, nos processos de decisão das pessoas, em que a atuação do médico como influenciador pode fazer a diferença:

Processo de Decisão

Processo_Decisao

Etapas entre a Avaliação de Alternativas e a Decisão

Avaliacao_alternativa_decisao

Ou, seja, o que você disser aos pacientes, na condição de médico-influenciador-formador de opinião, ou o próprio exemplo que você mesmo der no trânsito, será MUITO levado em conta pelos candidatos a habilitação, e pela sociedade em geral. Isso é tão verdade que num estudo global de 2014 da consultoria GfK em 25 países, sobre índice de confiança nas profissões, mostrou que, no Brasil – e no mundo todo – os médicos são a terceira profissão em que as pessoas mais confiam, atrás somente de bombeiros e carteiros.

confianca_profissionais

Não é à toa a expressão “carro de médico”, quando as pessoas querem se referir a um automóvel à venda que foi usado por uma pessoa de muita ponderação, zelo, calma e responsabilidade.

Exploremos um pouco a relação entre a imagem do CFC a partir da atuação do médico. Há duas importantes dimensões: a da identidade (projetada) e a imagem (percebida pelo cliente)

  • Identidade é a manifestação visual de sua realidade, como transmitido pelo nome, logo, produtos e tudo o mais criado pela organização.
  • A imagem é formada pelos públicos.

Uma reputação sólida é criada quando a identidade de uma organização e a sua imagem estão alinhadas. Nessa linha, a imagem do médico está também associada ao CFC no qual atua, onde entra então em ação o branding, termo usado para descrever uma administração estratégica de marca. O segredo do branding está em os clientes não pensarem que todas as marcas de uma categoria são iguais, ou seja, não perceberem todos os CFCs como iguais entre si, por mais que o Detran estadual deseje o mesmo nível de qualidade entre todos. Reforçando, uma boa imagem do médico ajuda em uma boa imagem do CFC. As diferenças podem ser funcionais, racionais ou tangíveis – relacionadas ao desempenho do serviço, ou podem ser mais simbólicas, emocionais ou intangíveis, – relacionadas ao que a marca representa. Para alguns, um determinado CFC pode ser mais “chique”, ou “mais próximo”, ou “com instalações mais confortáveis”, e assim por diante.

O poder de uma marca está no que os clientes veem, leem, escutam, aprendem, pensem e sentem sobre uma marca no tempo. Ou seja, o poder de uma marca está na mente dos clientes reais ou potenciais e sua experiência direta ou indireta com a marca, que pode ser a publicidade do CFC, ou mesmo o atendimento recebido pelo médico de tráfego.

Por fim, uma “pergunta que não quer calar”, para muitos jovens médicos: como os pacientes escolhem seus médicos?

Um Estudo de Saha, Taggart, Komaromy e Bindman, publicado na Health Affairs em 2000, mostrava que minorias tais como hispano-americanos e afro-americanos, buscavam, como clínicos gerais, médicos de sua própria etnia por motivos de preferência pessoal e idioma,
não apenas por acessibilidade geográfica.

Já um estudo mais abrangente – Patient Preferences in Choosing a Primary Care Physician – publicado no JPCCH em abril de 2012, elencou os principais motivos de escolha dos médicos pelos pacientes, do mais importante (bom cuidado com o paciente) até o menos importante (mesma raça):

  • Bom cuidado com o paciente
  • Boas habilidades de comunicação
  • Apresentar verdadeira preocupação
  • Satisfação com as habilidades do médico
  • Enfermeiras e equipe gentis e eficientes
  • Fazer parte do plano de saúde
  • Certificação legal
  • Baixo tempo de espera no consultório
  • Idade avançada
  • Sempre disponível para consultas ou telefonemas
  • Consultório bem arrumado
  • Cuida de toda a família
  • Recomendação de amigo ou familiar
  • Mesmo sexo
  • Mesma raça

E o CFC, como é escolhido? Vejamos como as pessoas formam percepções das empresas em geral:

1) Capacidade corporativa

  • Até que ponto o Centro de Formação de Condutores é percebido como capaz de prestar os serviços a que se propõe.
  • Ou seja, ser visto como bom no que faz.

2) Confiabilidade corporativa

  • Até que ponto o Centro de Formação é visto como
    motivado em ser honesto, confiável e sensível às necessidades do cliente.
  • Ou seja, ser visto como confiável.

3) Atratividade corporativa

  • Até que ponto o CFC é visto como amistoso, atraente, de prestígio, dinâmico, etc.
  • Ou seja, ser visto como agradável.

Assim, um Centro de Formação de Condutores com credibilidade é considerada boa no que faz, atende aos interesses do cliente e tem um convívio agradável.

Leituras sugeridas de aprofundamento:

  • KOTLER, Philip; ROBERTO, Ned; LEE, Nancy. Social Marketing: Improving the Quality of Life. edition. Thousand Oaks, USA, 2002.
  • KOTLER, Philip; LEE, Nancy. Marketing no Setor Público: um guia para um desempenho mais eficaz. Porto Alegre: Bookman, 2008. 350 p.
  • KOTLER, Philip; ROBERTO, Eduardo L. Marketing Social: estratégias para alterar o comportamento público. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
  • MEIRA, Paulo Ricardo S. Programas de Marketing Social: proposição e exame de uma estrutura conceitual de avaliação de resultados. Brasília: Senado Federal, 2011. v. 1. 238 p.
  • MEIRA, Paulo Ricardo; OLIVEIRA, Renato Luiz T. Comportamento do Cliente: princípios teóricos e recentes pesquisas na área. Pelotas: EDUCAT, 2004. 440p.
  • MEIRA, Paulo Ricardo. OLIVEIRA, Renato Luiz T. Ética em Marketing e o Novo Consumidor Brasileiro. Porto Alegre: Editora UniRitter, 2006.

MEIRA, Paulo Ricardo dos Santos; SANTOS, Cristiane Pizzutti. Social Marketing Programs in Brazil: Metrics and Social Media Approaches. In EVANS, W. Douglas (Ed.) Social Marketing: Global Perspectives, Strategies and Effects on Consumer Behavior. NY: Nova Publishing, 2015.