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Priscila C. Corrêa Netto
Advogada, chefe do Departamento Jurídico da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet)
Haverá muita celeuma em torno da reforma tributária ainda que ela seja necessária para conter a sangria dos cofres públicos e coibir a prática reiterada de isenções concedidas a quem não tem direito, como num grande balcão de negócios que afronta a dignidade do médico do tráfego e compromete a lisura do próprio exame de aptidão física e mental em candidatos a condutores.
A Lei Complementar 214/2025 estabelece um escalonamento da vacacio legis conforme a matéria; algumas já produzem seus efeitos, outras somente a partir de 2026, 2027, 2029 e 2033. No que nos interessa, que é a isenção de tributos para a aquisição de veículos por Pessoas com Deficiência, a lei produzirá seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026 (art. 544).
A principal mudança é que a isenção só será concedida ao motorista PCD cujo carro necessita de adaptação veicular (art. 149, § 3º). Para as pessoas com deficiência que não conduzem, nada muda, ou seja, será mantida a isenção na compra de veículo (art. 149, § 4º):
Art. 149.Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre a venda de automóveis de passageiros de fabricação nacional de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, quando adquiridos por:
I – …
II – pessoas com:
As clínicas credenciadas pelo Detran continuarão a emitir laudos que comprovam a deficiência e a condição de pessoa com transtorno do espectro autista, só que agora, além das responsabilidades civis e criminais, respondem solidariamente pelas isenções concedidas ilegalmente, mediante laudo comprovadamente fraudulento.
Art. 151.Para fins de concessão das reduções de alíquotas de que trata esta Seção, a comprovação da deficiência e da condição de pessoa com transtorno do espectro autista será realizada por meio de laudo de avaliação emitido:
I – por fornecedor de serviço público de saúde;
II – por fornecedor de serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS); ou
III – pelo Departamento de Trânsito (Detran) ou por suas clínicas credenciadas.
A clínica sempre teve responsabilidade como delegatária do serviço público, só que agora a lei expressamente prevê sua responsabilidade solidária também pelo tributo que o Estado deixar de recolher em virtude de laudo comprovadamente fraudulento emitido pelo médico do tráfego. A intenção não é penalizar a clínica nem o médico; é preservar a lisura de todo o processo de isenção e garantir ao fisco a devida arrecadação.
O médico do tráfego desempenha sua atividade em razão de contrato administrativo feito com o DETRAN, assumindo função pública com todas as responsabilidades penal, civil e administrativa de um agente público, e exatamente por tudo isso é que ele não deve aceitar qualquer tipo de constrangimento, coação, pressão, imposição ou restrição do interessado em adquirir veículo com isenção fiscal.
Código de Ética Médica
Art. 98 – É vedado ao médico, deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites das suas atribuições e competência.
Em que pese toda a celeuma em torno na nova lei, o médico do tráfego deve ter sempre em mente que a busca da verdade real interessa não só ao fisco, mas a ele também enquanto perito, já que a ele será cometida a responsabilidade funcional de trazer essa verdade para os autos tanto do processo de habilitação quando de isenção fiscal.